2020 decididamente não está sendo um ano para amadores. Depois de todo o caos vivido com a pandemia eu só não imaginava que o clima seria quem coloraria um ponto final de adversidade no ano.
Em meus anos de experiência com consultoria (que não são muitos), o plantio da safra 20/21 foi o mais desafiador. As chuvas no início de dezembro até trouxeram um pouco de alívio, mas não apagaram os danos sofridos com um novembro quase árido, por assim dizer. As cicatrizes estão por toda parte na lavoura, elas valeram alguns ensinamentos e reflexões que aproveito para compartilhar.
Das primeiras experiências desta safra, o plantio e estabelecimento da lavoura foram quem mais rendeu aprendizados, destaco aqui três pontos que quero discutir: preparo de solo, profundidade de plantio e cobertura.
O meu primeiro susto foi com 100 ha em área de abertura (no Triângulo Mineiro). Dez dias após o plantio eu encontrei a lavoura assim como aparece na foto abaixo, o solo desnudo sem nenhuma planta de soja emergida.
Tive uma dificuldade danada para explicar ao cliente que a lavoura dele tinha sofrido com uma “tempestade perfeita” e que não havia nenhum erro de planejamento ou execução do plantio.
Por falar em planejamento entenda as recomendações feitas para abertura de área e plantio:
12 toneladas de calcário aplicadas em duas parcelas (6 + 6) com duas passadas de grade pesada (36’’) e uma niveladora seguida de rolinho (preparo de solo foi finalizado no final de outubro).
Considerando um solo de textura média (20% de argila) extremamente pulverizado, qual seria a melhor recomendação de plantio? A melhor recomendação seria aquela que tentasse evitar um problema clássico nessas circunstâncias: o “encascoramento” ou “selamento superficial”.
Solos como esse que descrevi (com uma maior proporção de areia e silte em relação a argila) normalmente formam uma camada superficial adensada (uma ‘casca dura’) depois de uma chuva pesada. As partículas de argila, areia e silte pulverizadas com o preparo ‘colam’ umas nas outras com a chuva, ao secar formam uma casca rígida. Nesse caso as plantas têm dificuldade de germinar, muitas delas se ‘quebram’ ao tentar romper a barreira que se formou na superfície do solo.
Pra contornar o problema a solução é simples: plante um pouco mais raso (para que a plântula tenha uma camada de solo menor pra romper) e espere pela normalização das chuvas (para que a camada superficial fique sempre úmida e menos ‘dura’). Essa foi a recomendação.
Entenda agora o que foi a “tempestade perfeita”:
O plantio foi feito na segunda semana de novembro com as sementes a 3 cm de profundidade. Nos 3 dias seguintes foram acumulados 30 mm na área, o suficiente para uma boa germinação. Até aqui tudo bem, só não contava com o ‘fator 2020’.
Os próximos 10 dias foram de estiagem e sol muito quente. Com a chuva pós plantio as sementes germinaram, no entanto o sol forte enxugou a umidade que havia na camada superficial do solo. Por estarem mais rasas, a radícula das sementes não conseguiu alcançar a umidade que estava a 15 cm antes que o solo secasse a sua volta. A maioria das plântulas morreu desidratada antes mesmo de emergir, algumas outras morreram pelos danos de escaldadura provocados pela temperatura alta (agravada pelo solo descoberto).
Pra confirmar a hipótese que descrevi, era possível ver que embaixo de alguma árvore (onde a sombra abrandou o sol quente) e nas ‘barrigas de curva’ (onde acumulou umidade) as plântulas conseguiram emergir.
“A grama do vizinho é sempre mais verde”
Por ironia do acaso, na gleba de um vizinho, plantada na mesma semana, também em abertura de área, com a mesma cultivar, a soja conseguiu germinar e se estabelecer. Pra por ordem na confusão que se seguiu, só com uma boa observação e análise agronômica dos fatos.
A lavoura do vizinho emergiu por que as sementes foram plantadas mais profundas (a pouco mais de 5 cm). Nesse caso, por estar mais próxima da umidade em subsuperfície, a radícula conseguiu crescer e acessar o suprimento de água antes que a plântula se desidratasse.
O estranho foi observar que na mesma gleba uma parte da lavoura não conseguiu emergir (tal qual a área do meu cliente), existia uma divisão bem nítida (quase uma linha) entre as duas partes. A única diferença é que uma ganhou grade niveladora (onde não emergiu) e outra não (onde emergiu).
A interpretação do fato foi simples, onde houve passada de grade niveladora o solo ‘encascorou’ (assim como na área que assisto) e na área não nivelada o palhiço restante da pastagem que lá havia ajudou o solo a não selar, facilitando a emergência.
E qual conclusão pode ser tirar dessas observações?
Que não se deve preparar bem o solo em áreas de abertura e que o plantio deve ser profundo? Uma análise superficial poderia até levar a essa conclusão, mas isso está errado.
Em uma área de abertura a prioridade é a qualidade de incorporação do corretivo (o mais profundo e revolvido possível), um trabalho ruim nesse caso irá se refletir por toda vida útil da gleba.
A principal lição é que pra fugir desses transtornos se deve implantar a lavoura sobre uma palhada bem estabelecida, o que pode significar em alguns casos abrir mão do plantio de verão. Uma outra opção seria fazer a abertura das áreas no final do período chuvoso, quando ainda há chances de implantar uma planta de cobertura na área. É isso que faremos nas próximas áreas de abertura.
E quanto a profundidade de plantio? O plantio muito profundo continua sendo um risco maior do que o plantio superficial, nesse caso o que ocorreu foi que a sorte do vizinho foi o meu azar.
Ainda sobre isso ouvi o conselho muito válido de um produtor experiente:
“você tem que plantar na profundidade que a soja precisa pra nascer, se for a 4 cm, plante a 4 cm. Se você plantar raso com medo de solo selar e daí não chover, vai se sentir culpado porque se tivesse plantado na fundura certa a lavoura teria nascido. Se plantar na fundura certa e não nascer porque choveu pesado e o solo selou a culpa não será sua, foi do clima. E o clima você não controla.”
Foi o sr. Geovane, um outro cliente, quem me disse isso quando a gente visitava umas áreas que precisaram de replantio, ele ainda arrematou:
“o agricultor planta esperança pra colher sonho. O dia que ele deixar de acreditar, de ter fé, ele pode arrumar outra coisa pra fazer, por que agricultura é isso!”